Autor: CARLOS KILDARE SANTOS MAGALHÃES
Aracaju 2019
O presente memorial, no formato de ensaio teórico, correlaciona temas que foram
vivenciados durante os módulos do curso de formação em Psicologia Analítica, turma 3,
realizado na Profint (Profissionais Integrados Ltda).
Tal ensaio teórico apresenta como proposta trazer considerações a respeito de três
processos psíquicos, intrinsecamente interligados: (1º) o fenômeno da consciência; (2º)
apropriação dos conteúdos psíquicos; e (3º) armazenamento dos conteúdos psíquicos
como história imagética individual.
A respeito do fenômeno da consciência e da apropriação dos conteúdos na psique,
trarei, em destaque, a visão de CG Jung sobre o tema, especificamente o que foi dito por
ele em suas Conferências para médicos, em Londres, no ano de 1935, com o intuito de
esclarecer os Fundamentos da Psicologia Analítica.
Quanto ao armazenamento dos conteúdos psíquicos como história imagética
individual, partirei para um exercício imaginativo, tendo como princípio as ideias de que
“a psique é constituída essencialmente por imagens” (CG Jung, OC, 8/2, § 618), e que
tais imagens expressam “uma estrutura riquíssima de sentido” (CG Jung, OC, 8/2, § 618),
como também são perpassadas e perpassam os três tempos (passado, presente e futuro)
da vida psíquica do indivíduo.
O fenômeno da consciência
O fenômeno da consciência ocorre no eu e a partir do que se relaciona com o eu.
Esclareço, já de início, que, quando falo do eu, não me refiro ao ego, em momento
algum, mas ao complexo do eu.
Quanto ao complexo do eu, CG Jung falou assim a seu respeito, durante
conferência, realizada em 1935, no Institute of Medical Psychology, em Londres:
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“É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso
corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória. Todos temos uma
certa ideia de já termos existido; todos acumulamos uma longa série de
recordações. Esses dois fatores são os principais componentes do eu, que nos
possibilitam considerá-lo como um complexo de fatos psíquicos. A força de
atração desse complexo é poderosa como um ímã; é ele que atrai os conteúdos do
inconsciente, daquela região obscura sobre a qual nada se conhece. Ele também
chama a si impressões do exterior que se tornam conscientes ao entrar em
associação com o eu. Caso isso não ocorra, elas não se tornam conscientes”. (CG
Jung, OC, 18/1, § 18).
Pois bem, nesse breve trecho, transcrito acima, CG Jung aborda pontos
importantes a serem considerados neste ensaio:
Como primeiro ponto aborda resumidamente a composição do complexo do eu:
(I) autopercepção do eu (corpo e existência); e (II) registros dos fatos psíquicos como
memória.
Como segundo ponto aborda uma particularidade da atuação do complexo do eu,
uma vez que age como um poderoso ímã (força de atração), tanto sobre os conteúdos do
inconsciente, quanto sobre as impressões do exterior.
Nesse sentido, entendo que os conteúdos do inconsciente e as impressões do
exterior formam o conjunto dos fatos psíquicos, que são apropriados na psique, na forma
de conteúdos psíquicos. Pressuponho, então, que tais conteúdos psíquicos têm uma
condição imagética e, também, histórica, além de compor a memória do indivíduo.
No início do mesmo § 18 da OC, volume 18/1, CG Jung faz a seguinte
consideração importante sobre o fenômeno da consciência: “nada pode ser consciente
sem ter um eu como ponto de referência. Assim, o que não se relacionar com o eu não é
consciente. A partir desse dado, podemos definir a consciência como a relação dos fatos
psíquicos com o eu”.
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Pois bem, tendo por base tal citação, a consciência é definida como o resultado da
relação dos fatos psíquicos com o eu. Desse modo, é possível propor um diagrama para
essa definição1
:
A partir de tal definição depreendida da citação de CG Jung, percebe-se que a
consciência não tem como se formar apenas da relação do eu com o próprio eu, sendo
imprescindível a participação, para tal, de fatores internos (inconscientes) e fatores
externos (impressões do exterior), ou seja, é imprescindível que haja a atração dos fatos
psíquicos por esse poderoso ímã, que é o complexo do eu, para que ocorra o fenômeno da
consciência.
Vê-se, então, que o complexo do eu é fundamental para o fenômeno da
consciência, sobretudo a sua poderosa ação como de um ímã. Mas, afinal, como seria
ativada essa ação semelhante à de ímã?
CG Jung, ao comparar o complexo do eu a um ímã, traz um relevante ponto para
consideração, uma vez que um ímã, por suas propriedades magnéticas, pode atrair e,
também, repelir. Do mesmo modo que um ímã, o complexo do eu não atrairá tudo, mas
tão somente aquilo que o eu ansiar por atrair, sendo, assim, ativado pelo desejo ou,
simplesmente, pelo interesse despertado, mesmo que, em muitos casos, ainda não
consciente (pelo menos, ainda não totalmente).
Nesse sentido, corroborando com esse entendimento, lê-se no início do § 19 da
OC, volume 18/1, de CG Jung: “o eu é uma espécie de complexo, o mais próximo e
valorizado que conhecemos. É sempre o centro de nossas atenções e de nossos desejos,
sendo o cerne indispensável da consciência”.
1 Tal definição me fez recordar a conhecida frase de Ortega y Gasset: “eu sou eu e minhas circunstâncias”,
ou seja: consciência do eu = eu + circunstâncias do eu.
CONSCIÊNCIA → EU → FATOS PSÍQUICOS
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O eu como um complexo
Segundo CG Jung, “um complexo é um aglomerado de associações” psíquicas, de
que de alguma forma estão “ligados com reações fisiológicas, com os processos
cardíacos, com o tônus dos vasos sanguíneos, a condição dos intestinos, a inervação da
pele, a respiração”, tendo em vista que “aquilo que é dotado de pouco tônus e pouco valor
emocional pode ser facilmente posto de lado porque não tem raízes. Não é aderente".
(CG Jung, OC, 18/1, § 148)
Desse modo, pode-se entender que tal aderência se dá em razão de um sentido de
acentuada importância atribuída pelas associações psíquicas de cada indivíduo. Essa
acentuada importância é uma espécie de tensão psiquicamente significativa e
fisiologicamente manifestada, uma vez que as associações psíquicas têm a característica
de reunir grande quantidade de energia psíquica em torno de complexos, de modo a se ter
a forte impressão de que um complexo teria até uma “vontade própria”, independente da
vontade consciente do indivíduo. Nesse ponto, CG Jung ressalta que “quando se fala em
força de vontade, naturalmente se pensa em um eu”. A grande pergunta é: onde estaria o
eu que reuniria em torno de si a vontade própria manifestada pelos complexos? Surge,
assim, a ideia de um complexo do eu, que reuniria o conjunto das vontades manifestadas
pelos complexos, constituindo-se, segundo CG Jung, como “um aglomerado de
conteúdos altamente dotados de energia” ou seja, o complexo do eu representaria todo o
aglomerado de conteúdos psíquicos altamente significativos para um indivíduo. (CG
Jung, OC, 18/1, § 149)
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Apropriação dos conteúdos psíquicos
Após essa breve digressão, continuemos. A consciência, por sua vez, para sua
atuação, quando da apropriação dos conteúdos psíquicos, é dotada de funções que a
orientam quanto à correlação do eu com os fatos psíquicos (tanto endopsíquicos, quando
se relacionam com os conteúdos da memória psíquica, dentre eles também os
inconscientes; quanto ectopsíquicos, quando se relacionam com os fatos exteriores, por
meio das funções sensoriais). (CG Jung, OC, 18/1, § 20)
Há, portanto, as funções ectopsíquicas, quando da correlação do eu com os fatos
ectopsíquicos, que são: (1) sensação (a função de percepção que passa pelos sentidos
sensoriais, também chamada de função do real, pois percebe a existência das coisas); (2)
intuição (a função de percepção que não passa pelos sentidos sensoriais, relacionada ao
tempo passado e ao tempo futuro, pois funciona por meio de impressões (ou palpites)
sobre a origem ou a destinação de algo; (3) pensamento (a função de julgamento do real
quanto ao que alguma coisa é) e (4) sentimento (a função de julgamento do real quanto
ao valor que alguma coisa tem). (CG Jung, OC, 18/1, § 21 a 26)
Há ainda as funções endopsíquicas, quando da correlação do eu com os fatos
endopsíquicos, que são: (1) memória (a função de acesso aos conteúdos psíquicos
inconscientes); (2) componentes subjetivos das funções conscientes (função que exprime
as reações subjetivas inadmissíveis, injustas e imperfeitas, que acompanham as funções
conscientes, pois que conscientemente todos esforçam-se por mostrar que seriam
perfeitos); (3) emoções e afetos (quando conteúdos inconscientes interferem no
autocontrole consciente, tornando-o praticamente nulo); (4) invasão (quando conteúdos
inconscientes irrompem e tomam por completo o autocontrole consciente, tornando-o
completamente nulo). (CG Jung, OC, 18/1, § 39 a 43)
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Figura 1 – Representação das Funções Endopsíquicas e Ectopsíquicas num Modelo
Psíquico. (Adaptado da Figura 4 ‘A psique’, CG Jung, OC, 18/1)
A consciência surge, então, como fenômeno a partir da correlação do eu
(complexo do eu) com os fatos psíquicos, tendo a fundamental intermediação das funções
ectopsíquicas e endopsíquicas.
Armazenamento dos conteúdos psíquicos como história imagética individual
Durante o processo do fenômeno da consciência, os conteúdos psíquicos estão
sendo continuamente apropriados pela psique. Considerando que “a psique é constituída
essencialmente por imagens”, tais conteúdos apropriados tenderiam a compor um vasto
conjunto imagético.
“A psique é feita de uma série de imagens, no sentido mais amplo do termo; não
é, porém, uma justaposição ou uma sucessão, mas uma estrutura riquíssima de
sentido e uma objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens”.
(CG Jung, OC, 8/2, § 618)
inconsciente
coletivo
sistema
endopsíquico
sistema
ectopsíquico
inconsciente
pessoal
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CG Jung, em seu livro A Natureza da Psique, esclarece que emprega a palavra
imagem no sentido de representação psíquica consciente, uma vez que para um conteúdo
psíquico ser consciente tem que ser representável sensorialmente num sentido mais
amplo, ou seja, não se resume apenas a imagens visuais, mas a processos representativos
mais amplos que ocorrem na mente. (CG Jung, OC, 8/2, § 608)
“É deste modo que podemos formar uma ideia da natureza da psique. Ela é
constituída de imagens reflexas de processos cerebrais simples, e das
representações destas imagens em uma sucessão quase infinita. Estas imagens
reflexas têm o caráter de consciência. A natureza da consciência é um enigma cuja
solução eu desconheço. Do ponto de vista puramente formal, contudo, podemos
dizer que um fator psíquico assume a qualidade de consciência quando entra em
relação com o eu. Se não há esta relação, o fator permanece inconsciente. O
esquecimento nos mostra muito bem quantas vezes e com que facilidade os
conteúdos perdem sua ligação com o eu. Por isto, poderíamos comparar a
consciência a um jato de luz emitido por um refletor. Só os objetos situados sob o
cone de luz é que entram no campo de minha percepção. Um objeto que se acha
casualmente na escuridão, não deixou de existir; apenas não é visto. Assim, o fator
psíquico de que eu não tenho consciência existe em alguma parte, num estado que,
com toda probabilidade, não difere essencialmente daquele em que é visto pelo
eu”. (CG Jung, OC, 8/2, § 610)
Partindo dessa noção, trazida por CG Jung, de comparar a consciência a um jato
de luz emitido por um refletor, posso considerar que a consciência seria um fenômeno
que surge da atenção do eu, quando se volta (como um refletor) para os seus objetos de
atenção, ou seja, para onde se voltam os seus sentidos, ocasionando, assim, a impressão
de imagens na psique. O fenômeno da consciência é um processo contínuo, de modo que
cada um dos objetos de atenção do eu, uma vez focalizado, foi e continuará,
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continuamente, a ser apropriado durante o fenômeno, sempre produzindo imagens como
processos mentais representativos.
Outro ponto fundamental a considerar é o modo como se organizam tais imagens
no psiquismo de um indivíduo. No § 618 da OC, volume 8/2, CG Jung diz textualmente:
“A psique é feita de uma série de imagens, no sentido mais amplo do termo; não é, porém,
uma justaposição ou uma sucessão, mas uma estrutura riquíssima de sentido e uma
objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens”, e, assim, posso imaginar
que tais imagens psíquicas tenderiam a organizar-se num estrito sentido lógico pessoal,
ou seja, se duas pessoas vivenciam o mesmo fato, cada um deles apropriará as imagens
relativas ao determinado fato de uma maneira absolutamente pessoal (isso é até óbvio),
até mesmo se considerarmos o particularizado foco de visão do eu (visão num sentido
amplo), pois cada indivíduo observará e absorverá tudo relacionado ao fato de modo
estritamente pessoal, como também fará, de modo particularizado, a associação da
imagem vivenciada com as demais imagens já apropriadas anteriormente.
Por exemplo, alguém observa algo, como um pássaro pousado em um galho de
árvore, então tenta mostrar tal pássaro a uma outra pessoa, mas essa outra pessoa não
consegue identificá-lo logo, demora para vê-lo, uma vez que o ângulo do foco de visão
dessas duas pessoas não é e nem poderia ser idêntico, a não ser que esses dois “eus”
estivessem dentro do mesmo corpo e concordasse em voltar as suas atenções para o
determinado foco de visão (como o pássaro pousado em um galho de árvore). Seguindo
no mesmo exemplo, fica claro também que as associações psíquicas que surgirão da
imagem vivenciada com outras imagens já armazenadas na psique são tão particulares
que não é possível imaginar qual é a estrutura de sentido organizada na psique dos
indivíduos, a não ser que os próprios deem pistas sobre ela, ou seja, unicamente o
testemunho pessoal impõe-se como meio para tal possibilidade de revelação. Esclareço
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que não trato, aqui, apenas do testemunho verbal, como uma narrativa, mas de toda forma
de testemunho, ou seja, as mais diversas formas que abranjam tudo aquilo que somente
possa ser trazido pela própria pessoa sobre ela mesma, seja por meio de uma narrativa, de
um sonho, de um desenho, de uma produção artística, etc., mas o que se revela óbvio é
que somente o próprio indivíduo poderá trazer pistas sobre cada uma de suas inúmeras
estruturas psíquicas de sentido.
A estruturação psíquica de sentido, conforme tratado acima, apresenta-se como
totalmente particularizada, pois cada indivíduo a organiza de modo estritamente pessoal,
como se fosse a construção pessoal da própria história psíquica por meio de conteúdos
essencialmente imagéticos. O contexto histórico pessoal é atribuído pela sequência de
vivências individuais desde o princípio da própria existência até o momento presente. Tal
sequência leva-nos a perceber que, em uma pessoa que se encontra na fase de vida adulta,
inúmeras foram as imagens psíquicas até então vivenciadas, apropriadas, armazenadas e
estruturadas psiquicamente de modo inteiramente particular, ou seja, as imagens
abrangidas pela psique no passado estruturam-se com a imagem abrangida no presente,
levando em consideração, para isso, a expectativa para o momento futuro, em
consonância com a estruturação particularizada de sentido psíquico.
Assim, tal estruturação particularizada do sentido psíquico perpassará e será
perpassada, sempre, pelos três momentos temporais (passado, presente e futuro) e, desse
modo, o contexto histórico constitui-se em uma das peças fundamentais para a construção
do sentido psíquico individual, uma vez que quando algo é vivenciado, tem-se, na quase
totalidade das vezes, aspectos do passado a serem considerados no momento presente,
como também expectativas de futuro entrarão em consideração quanto ao que pode
resultar daquilo que é vivenciado no momento atual, interferindo diretamente na decisão
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pessoal, de modo que o passado e o futuro serão sempre peças fundamentais na
construção de sentido que se estrutura individualmente.
Desse modo, o eu (complexo do eu), como cerne indispensável da consciência2
,
ao se deparar com a necessidade de decisão ou resolução, agirá como um ímã sobre as
imagens armazenadas na psique, que fazem parte da estruturação pessoal de sentido, e
levará em consideração: (i) o que se apresenta no momento presente (estímulo); (ii) as
imagens, anteriormente armazenadas, que estão correlacionadas de algum modo com o
contexto específico que se apresenta; (iii) e, ainda, os resultados esperados na expectativa
futura, considerando a correlação entre os três momentos (presente, passado e futuro). Ou
seja, as imagens, anteriormente armazenadas, que estão correlacionadas, de algum modo,
no contexto da estrutura psíquica do indivíduo, com a necessidade de decisão ou
resolução (quando da apresentação do estímulo) serão atraídas pelo complexo do eu, como
um poderoso ímã, impulsionando a decisão.
Sendo assim, o complexo do eu, que se configura como o cerne da consciência,
atrairá especificamente as imagens correlacionadas a um contexto que se apresenta, isto
é, atuará, assim, em total especificidade com a própria estruturação pessoal de sentido.
Por vezes, o temor ou a empolgação pelo que virá, por conta de uma imaginada
expectativa de futuro, ou o terror pela recordação de algo que se queria totalmente
esquecido, como um evento traumático, ou mesmo a recordação de algo esplendoroso
que se queria vivenciar novamente, fazem com que um indivíduo fique psiquicamente
afetado com a situação que se apresenta no momento presente, e, frente a isso, a própria
estruturação psíquica individualizada indicará o caminho a seguir, sendo incontáveis as
possibilidades de resposta aos estímulos. É possível que, em muitos casos verifique-se
2
(CG Jung, OC, volume 18/1, § 19)
12
algum padrão comportamental, porém um indivíduo humano sempre poderá surpreender
e agir de modo imprevisível.
A história psíquica de um indivíduo humano está sendo construída
ininterruptamente, até o momento da morte física, e os componentes dessa história
pessoal são os conteúdos imagéticos apropriados e armazenados, na psique, e
correlacionados entre si, numa incessante busca de sentido, ao longo de toda uma vida
humana. Tal busca de sentido pode muitas vezes ser satisfatória e em outras tantas ser
paralisante, sem contar a grande quantidade de vezes que simplesmente parece não haver
sentido algum.
Considerações finais
Ao tratar dos três pontos de consideração propostos no presente ensaio, percebo
como eles se interligam e se apoiam durante a construção do psiquismo do eu.
Pois bem, no primeiro ponto de consideração, relativo ao fenômeno da
consciência, abordo que tal fenômeno se dá, somente, por meio da relação do eu com os
fatos psíquicos. Durante esse fenômeno, o eu passaria a se estruturar como um complexo:
o complexo do eu, ao mesmo tempo que seria perceptível também a presença dos outros
dois pontos de consideração: a apropriação dos conteúdos psíquicos e o armazenamento
dos conteúdos psíquicos como história imagética individual. Note bem, o eu, no princípio
do seu processo de estruturação como um complexo, relaciona-se com os primeiros fatos
psíquicos, dentre eles: seu próprio corpo e a percepção de sua própria existência; ou seja,
o princípio do fenômeno da consciência ocorre ao mesmo tempo da estruturação do
complexo do eu (são processos concomitantes e totalmente interligados). Além do que,
ao mesmo tempo, tem início, também de modo concomitante, a apropriação dos
conteúdos psíquicos, e a composição da memória psíquica (sobre si mesmo e sua visão
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de mundo), de modo que as imagens psíquicas, originadas em tal processo, começariam
a estruturar-se como componentes históricos individuais imagéticos.
Assim, tal processo inicial tenderia a repetir-se como um padrão pessoal, com a
apropriação constante de novos componentes psíquicos, que correlacionar-se-iam com o
eu (o complexo do eu) e com todas as demais imagens psíquicas já apropriadas
anteriormente, numa tentativa constante de estruturação de sentido.
Considero, ainda, em um exercício imaginativo, que o complexo do eu, ao ser, no
momento presente, constantemente estimulado a tomar resoluções e agir, assumiria a
condição de manejar os conteúdos psíquicos imagéticos, reunindo-os magneticamente.
Assim, certos conteúdos imagéticos relacionados aos estímulos do momento presente
(considerar também a incontável quantidade de conteúdos imagéticos produzidos por
ação imaginativa), seriam trazidos para a vivência do eu, como uma forma de subsidiar
suas resoluções e ações. Ressalto que cada resolução e ação terá, como uma base
fundamental, a expectativa futura dos resultados esperados, que também se apresentam
magneticamente como conteúdos imagéticos imaginativos.
De tal modo, compor-se-ia a história individual de cada psique, tendo como base
os seus três componentes principais: (i) a memória pregressa (passado), formada pelos
conteúdos psíquicos imagéticos já apropriados; (ii) estímulo (presente), formado pela
vivência do eu defronte aos fatos psíquicos, com a necessidade despertada de resolução e
ação; (iii) expectativa dos resultados esperados (futuro), formada a partir da necessidade
de resolução e ação e da capacidade imaginativa do futuro esperado.
Ressalto que a expectativa dos resultados esperados será um dos principais fatores
que nortearão as resoluções e as ações humanas, sendo possível inclusive que a ocorrência
de fatos totalmente inesperados seja um dos principais fatores para o desnorteamento
14
psíquico de um indivíduo, frustrando assim sua expectativa, conforme suas crenças e
convicções.
De todo modo, muito ainda poderia ser dito sobre o tema apresentado neste ensaio,
como também muito ainda poderá ser dito, tendo como base os assuntos aqui tratados.
Posso, então, considerar que tal memorial se configura como um exemplo do que
digo, pois que parto da minha memória pregressa (passado), constituída dos conteúdos
psíquicos imagéticos, apropriados durante os módulos do curso, e, por conta do estímulo
(presente) da necessidade despertada de produzir um trabalho final de curso, voltei minha
atenção, como um farol de luz, para conteúdos significativos específicos, para atender tal
necessidade, e, por conta dela, tais conteúdos foram atraídos magneticamente (por meio
desconhecido), tornando-os vivos em minha consciência. O tempo futuro caracterizou-se
na expectativa do resultado esperado (o trabalho pronto), que por tantas vezes não se
realizou, ou melhor, foi ajustado, para uma nova expectativa, tanto em relação ao tema,
quanto ao texto produzido.
Assim, este ensaio, como todo ensaio, seguiu no seu caminho de experimentação
e, hoje, traz, em si, novas expectativas de produção.
Referências bibliográficas
Jung, C.G. (1926). Obra Completa de C.G. Jung. Volume 8/2. A Natureza da Psique
(tradução de Mateus Ramalho Rocha). 10ª edição, Petrópolis/RJ, editora Vozes,
2013. Capítulo XII – Espírito e Vida (§ 601 até § 648). Conferência pronunciada a
29 de outubro de 1926, na Sociedade Literária de Augsburgo, no quadro de uma série
de conferências sobre o tema: “Natureza e espírito”.
Jung, C.G. (1935). Obra Completa de C.G. Jung. Volume 18/1. A Vida Simbólica:
escritos diversos (tradução de Araceli Elman, Edgar Orth). 7ª edição, Petrópolis/RJ,
editora Vozes, 2013. Capítulo I – Fundamentos da Psicologia Analítica; primeira
conferência (§ 1 até § 73). Conferência pronunciada no ano de 1935, na clínica
Tavistock, num total de cinco conferências para mais ou menos duzentos médicos.
Jung, C.G. (1935). Obra Completa de C.G. Jung. Volume 18/1. A Vida Simbólica:
escritos diversos (tradução de Araceli Elman, Edgar Orth). 7ª edição, Petrópolis/RJ,
editora Vozes, 2013. Capítulo I – Fundamentos da Psicologia Analítica; terceira
conferência (§ 145 até § 227). Conferência pronunciada no ano de 1935, na clínica
Tavistock, num total de cinco conferências para mais ou menos duzentos médicos.
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