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A ALBA ALQUIMIA DA DEUSA SARASWATI

Ao ler sobre a Acqua Permanens na Alquimia-Ocidental-Cristã e seu papel dentro da albedo, me surge a imagem deslumbrante da Deusa Saraswati montada em seu veículo, o cisne branco. Muitas vezes ao utilizarmos da nossa capacidade imaginativa de comparação entre símbolos de diferentes culturas, descerramos significados sobre o Ser que nos abrem portas para nosso próprio entendimento espiritual e material, afinal, conhecer o Ser e a sua realidade criada é conhecer a si mesmo, e vice-versa. Gratidão então a Deusa Saraswati por me ajudar a entender melhor a Acqua Permanens da sabedoria divina presente na alquimia.

Saraswati está dentro de uma trindade divina de deusas hindus e seus inseparáveis consortes, simbolizando a criação, a sabedoria e o conhecimento do universo junto com Brama. Se parte do princípio que o conhecimento é sobre a realidade divina criada como manifestação de Deus ou Braman, como chamam os hindus. Sem esse ponto de baliza todo o conhecimento produzido será obscurecido pela ignorância e trevas, continuará no fundo velado ao nosso entendimento. Do mesmo modo na alquimia a mensagem é clara, "conheça-te a ti mesmo" significa conhecer o 'artifex' criador divino, que é retratado como a Unidade de um casal Real, Rei e Rainha do universo em constante transformação.

Na alquimia, a sabedoria divina é representada pela Acqua Permanens, que pode ser traduzida como Água Eterna. O nome foi dado para indicar que este conhecimento é eterno e permanente, ou seja, as leis divinas não mudam, o abstrato e a unidade delas podem ser extraídos da criação, que se manifesta -diante dos nossos olhos materiais de maneira multiforme.

Diferente da pedra filosofal em que se acrescenta os elementos terrenos e fogosos coagulantes, a 'Água Eterna' resulta da união entre o elemento líquido sublimado e o ar. No processo de coniunctio desses elementos, a água sobe por meio da fé do alquimista (oração) em direção aos céus, busca a orientação e se une ao espírito que possui a verdade procurada, retorna então fecundada pelo ar para a terra, trazendo em si a sabedoria do alto.

A água, por ser um elemento mais próximo da terra, pode umidificá-la, servindo como veículo que transporta o espírito celeste para dentro da matéria. Compreende-se assim também o mistério do batismo pela água, pois nesse sacramento ela está em sua forma de 'Acqua permanens', fecundada pelo espírito, tendo a capacidade de transformar a carne lhe dando outra qualidade livre da ignorância. Depois o batismo será pelo fogo, em uma segunda fase da Obra.

A albedo é a primeira fase onde nos lavamos com a água limpa e verdadeira que nos livra das ignorâncias, das dúvidas sobre quem nós somos e o que devemos fazer, das obscuridades que nos levam aos erros, aos pecados, e às imperfeições. Na terapia corresponde aos insights e esclarecimentos de si, a conscientização de tudo aquilo que está nas sombras. Nas vivências espirituais a albedo corresponde realmente as benditas iluminações e nova vida com que somos agraciados.

O processo de albificação não se dá uma só vez na vida. Ele é cíclico. Inúmeras vezes recebemos do céu os ensinamentos divinos que buscamos. De água em água, de chuva em chuva, de orvalho em orvalho se forma o rio. Aos poucos nos tornamos sábios e maduros, e todos os rios correm para o mar... Esses rios vão distribuindo no caminho água para todos que queiram dela beber; bebem todos do espírito da cultura e da civilização acumulado. Há os homens e mulheres que, digamos assim, dão mais dessa água de beber pois dela tem em abundância, e são como nossos professores, orientadores e guias espirituais. Ou simplesmente são os nossos velhos antepassados, pais e mães, avôs e avós, contadores de histórias.

Mas o que tal água mais especificamente é enquanto experiência? Qual sua qualidade alquímica? Além de poder penetrar no sólido, a água é fluida. Ela é um símbolo para algo que toma inúmeras formas com facilidade, e que tem a emoção viva que o ar puramente abstrato não possui.... como a música, como as imagens da literatura que emocionam, como o sonho acordado. Então chegamos a Saraswati para esclarecer melhor, por meio da amplificação, esse tipo de conhecimento que é a água permanente...

Saraswati segura uma cítara em sua imagem, representando o conhecimento que nos traz a música, que, parando para pensar bem, se move de maneira fluida ao redor de nós como um casamento da água com o ar. Muitos mistérios divinos são transmitidos em ritos e religiões do mundo inteiro através da música, como espíritos sonoros que movem nossa alma, se animam e dançam em nosso coração com o ritmo fluido de suas letras. Ela é a forma mais fecunda de conhecimento que pode existir, inundando de luz e de inspiração quem ouça essas canções. Claro que a matéria tem que estar preparada para receber a sabedoria, muitas mensagens simplesmente não são compreendidas a fundo.

A música também pode ser inteiramente cindida do mundo do espírito, e não trazer conhecimento algum que valha a pena, somente obscuridades e mais induções ao erro. Mas as músicas rituais, as poéticas, as sagas, os hinos, os mantras hindus, enfim, toda espécie de música sacra ou que almeja um amor, beleza e sabedoria elevados, é uma manifestação do tipo Saraswati; sabedoria divina descendo sobre a humanidade. O que encontramos muitas vezes nas músicas sacras são as histórias míticas de um povo, a história de seus espíritos mensageiros, de seus heróis civilizadores, de Deus, de sua Mãe eterna e suas inúmeras formas, dos deuses, dos casais divinos, do amor, de seus frutos etc... Temos então como identificar claramente outra manifestação dessa forma de conhecimento. A sabedoria divida é, além da música, todo o mundo da literatura, das imagens, e da arte pictórica, de todas as artes!

O conhecimento de Saraswati nos traz a beleza do movimento vivo. Espírito aquífero que pouco a pouco se imprime na matéria do artista, do literato, e do poeta...

Sarasvati senta-se em um cisne branco, um animal de poder que une dois reinos da natureza: os reinos da água e do ar, o que confirma a sua semelhança arquetípica com o elemento da alquimia de que estamos falamos. A cor branca do cisne representa o conhecimento purificado pela albedo, a clareza mental de que esse conhecimento é divino e transcendente. Não sendo nosso, portanto, não deveríamos ter ciúme dele.

Outro animal de Saraswati menos comum é o pavão. Com suas múltiplas cores ele representa o conhecimento da multiplicidade, mas também o conhecimento que vem através da beleza que nos encanta e seduz para ensinar algo importante. Não é curioso como muitas vezes antes da albedo os alquimistas veem o surgimento de todas as cores, e chamam a isso de 'cauda do pavão'? O conhecimento da multiplicidade ainda é imperfeito quando não se captou totalmente a sua unidade e transcendência. No entanto, esse estado de conhecimento já anuncia a sua perfeição. Como Jung diz, podemos ficar inflacionados no contato com a sabedoria do Self e suas emoções intensas; ninguém nega a exuberância inflacionária do pavão. Essa dinâmica de imagens arquetípicas nos ensina que isso é inclusive o esperado.

Com a albificação subsequente a cauda pavonis, temos a união de todas as cores no branco. Talvez seja por isso, por se tratar de um estado preliminar a albedo, que dificilmente Saraswati tem como sua montaria o pavão, pois nessa fase a presença do ego ainda não permite a total compreensão de que a manifestação do conhecimento é um ato puro do criador, ou seja, ainda pode-se encontrar a vaidade e o ciúme do conhecedor, ao invés da profunda devoção que caracteriza o sábio.

Caso queiramos ter acesso a sabedoria divina devemos mergulhar nesses rios caudalosos da humanidade, ler histórias míticas dos povos, como as da mitologia hindu que são riquíssimas, as histórias e mitos da bíblia, as parábolas alquímicas, a boa literatura, músicas e artes, tudo isso são 'água da vida'. Não qualquer literatura, mas as que tem seu valor universal, e que nos falam de quem nós somos realmente, a que contém sabedoria para beber e iluminar gerações, as que tem como destino certo chegar ao mar e se consagrarem eternas para todos os povos.


Por Ana Paula Chaplin


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